Meus dias como camelô

Postado por Anônimo | | Posted On quarta-feira, 9 de dezembro de 2009 at 01:20

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Há uns 3 ou 4 anos atrás eu trabalhei como camelô numa barraquinha que minha vó tinha no centro, as barracas ficavam dentro dessa rua da cidadania, o que já é um avanço porque não precisávamos correr que nem loucos quando chovia, mas ainda se molhávamos bastante quando fazia calor. Pensem num lugar quente, mas muito quente mesmo, e as barraquinhas onde ficávamos era minúscula, cabia uma pessoa no máximo lá dentro, mas como minha vó nunca confiou em mim ou gostava muito de trabalhar, ela ia sempre e eu tinha que sentar do lado de fora.

Lá dentro era realmente um inferno, trabalhar lá era um inferno, eu ganhava apenas 10 reais por dia, trabalhava mais de 12 horas e ainda tinha que aguentar clientes filhos da puta de chatos que se achavam no direito de reclamar de um defeito em um óculos que ele pagou 10 reais (sim, óculos que eu vendia custava 10 reais, eu vendia em média 20 desses em um dia normal e só ganhava o preço de um).

Trabalhar como vendedor é uma tarefa difícil, lidar com pessoas nunca foi minha praia, mas até que eu fazia isso bem, era simpático, legal, atencioso, mas sempre rolava algo estranho e engraçado nesses dias corridos que era o final do ano, quando várias pessoas “legais” enchiam a rua da cidadania pra comprar presentes baratos para seus familiares inúteis que seu casal obrigava a visitar.

Certa vez, não sei se vocês se lembram dos famosos óculos HB, que era (ou é ainda, não sei) febre entre vileiros carçudos e pessoas metidas a playboys, eu vendia muito desses, eram os mais baratos, mais resistentes e os mais procurados. Nesse dia eu estava sozinho na banca porque minha avó tinha ido sei lá onde fazer sei lá o que, e tava bom, ficar sozinho lá era a única coisa que valia a pena. Então após vender muitos óculos, chegou um carinha com a cara meio fechada e pediu pra experimentar os óculos.

Eu fui mostrando pra ele e dizendo as qualidades de cada um, então cheguei no HB.

“Senhor, esse óculos é muito bom, se encaixa em praticamente todos os rostos, fica muito bem em todas as pessoas, tem várias cores e de todos aqui ele é o mais resistente e forte, deixa eu te mostrar como…”

CLAC!!

Sim pessoas… eu fui dobrar o óculos como eu sempre fazia para mostrar que ele era forte e resistente e o filho da puta quebrou na minha mão. Sabe aquelas horas onde você não sabe onde enfiar a cara de tanta vergonha? Pois é. O pior é que o cara começou a rir, sem parar, e ainda dizendo: “Ahã garoto, super resistente, posso perceber isso”.

Então ele foi embora, ainda rindo, e eu fiquei com cara de idiota o resto do dia.

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Outras coisas divertidas que aconteciam por lá era quando aparecia algum gringo. Nenhuma banca das redondezas tinha vendedores que falavam inglês, muito menos eu falava isso, então quando aparecia algum era um show de mímica, era gringo apontando pros óculos, os vendedores levantando as duas mãos e dizendo deeeeeeeeeez bem devagar, duas vezes seguidas, como se eles fossem deficientes e não falassem outra lingua, e levantavam duas vezes para dizer que custava 20 reais, porque com estrangeiros o pessoal metia a faca mesmo e tava nem ai, se fossem xingados não entenderiam mesmo.

Também de vez em quando apareciam meninas extremamente lindas. Na minha barraca era difícil isso acontecer, porque tinha pelo menos mais 5 na frente da minha bem maiores e com vendedores mais bonitos, não sei porque mas elas não costumavam ir em barracas onde tinha um feio com cara de autista sentado na frente e uma mulher idosa no fundo provavelmente comendo alguma coisa extremamente gordurosa, por algum motivo que eu desconheço elas não preferiam comprar nesses lugares.

Mas uma vez uma foi, acho que foi a primeira (e única, que sabe) vez que eu cantei uma menina na cara dura sem estar bêbado. Ela veio com suas amigas, e era muito, mas muito linda mesmo, e começou a experimentar os óculos. Ai ela perguntou o que eu achava do que ela estava experimentando, eu disse que ela ficava bonita de qualquer jeito.

Grande erro meus amigos, as meninas que estavam com ela começaram a rir e ela disse rapidamente o seguinte: “Você tá aqui pra vender ou pra cantar todas que passam”??

¬¬

Novamente fiquei sem reação e sem palavras. É foda pensar em algo bom numa situação dessas, eu apenas fiquei quieto e desviei os olhos enquanto elas saiam de perto sem levar nada e algumas ainda rindo. Depois que acontece isso com a gente, começamos a pensar em várias respostas que poderíamos ter dado, mas já era tarde demais e o jeito foi engolir a vergonha e seguir em frente.

Outra coisa que me lembro que aconteceu, e novamente devido a minha burrice, foi o seguinte. Chegaram dois homens bem vestidos até, pediram vários tipos de óculos para experimentar e quando acharam um que eu não tinha, imploraram, dizendo que era aquele que eles queriam de qualquer jeito e pagariam quanto for para tê-lo. Eu, burrão, caí nessa e comecei a correr pelo lugar à procura dos fornecedores, caras que abriam uma barraca só para vender óculos para os vendedores e deixei a barraca sozinha. Achei e quando voltei para entregar, já pensando em cobrar 25 reais no mínimo (se eu vendesse um óculos de 10 reais por 25 o resto ficava comigo. Mas não contem pra minha vó que eu fazia isso, esse tipo de coisa não é bem vindo lá) e quando apareci estavam faltando uns 15 óculos do mostruário da frente.

Puta que pariu, fui roubado por ser um idiota. Meus amigos de outras barracas apareceram, dizendo que tinha visto o que aconteceu e mandando eu ter mais cuidado, que isso era irresponsável, blábláblá. Não entendo porque eles me deram bronca mas não pararam os homens. Cambada de filhos da puta.

Aconteceu que fiquei 3 dias trabalhando sem receber pra pagar os óculos, só 3 dias era pouco, mas era minha vó, ela até que era boazinha.

No momento só consigo lembrar disso que aconteceu nessa fase sombria da minha vida. Trabalhar cansa. E envergonha. Depois disso nunca mais arrumei um emprego de verdade e nunca mais tentei cantar uma menina sóbrio…

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