O homem que conhece você

Postado por Luan Henrique | | Posted On quinta-feira, 29 de agosto de 2013 at 16:54

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  Essa é a história do Leo, vocês o conhecem, certo? Ele é o pesquisador do instituto IBGE responsável pela contagem manual de pessoas no Brasil, seu trabalho consiste em andar de casa em casa e anotar no seu caderno universitário a quantidade de pessoas que vivem em determinado local, e ele faz isso sozinho, se desconfia que alguém está escondendo uma pessoa para que ela não possa fazer parte de uma estatística, Leo tem o apoio do governo para invadir a residência e vasculhar por tudo.

  Fazem 50 anos que Leo está nessa profissão e ainda não conseguiu sair do Paraná, já que a cada morte ou nascimento ele deve voltar a residência e fazer uma nova contagem. Rio Grande do Sul e Santa Catarina foram estados rápidos, já que aparentemente ninguém por lá faz sexo e os habitantes são imortais, talvez graças ao fato de não fazerem sexo eles vivam mais, ninguém sabe, mas fica ai uma dica para vocês que tem medo da morte. Já o Paraná tá sendo um estadinho difícil de sair.

  Leo está agora em Curitiba, a primeira cidade que ele visitou a 30 anos atrás e ainda não conseguiu ir em frente. De vez em quando ele se pergunta se não seria bom ter alguém para lhe ajudar, afinal, ele já estava ficando velho e o mal humor dos curitibanos estava começando a irritar. Ninguém abria as portas para ele e em oito a cada dez casas ele era obrigado a retirar sua espingarda calibre 12 do cu – técnica de camuflagem que ele aprendeu em jogos de RPG antigos – e forçar sua entrada na casa dos mais relutantes.

  Aquela rotina já estava ficando um tanto quanto cansativa e agora ele fazia a contagem do pessoal em uma famosa favela, apelidada gentilmente de Vila Pinto, um lugar perigoso mas com bem menos travestis do que ele imaginara que iria encontrar.

  Era um sábado a tarde, o sol escaldante fazia sua cabeça arder, poxa, deveria estar uns 9 graus naquele lugar, as axilas de Leo não paravam de suar. Mas o trabalho não pode parar e ele foi para a próxima casa.

- Boa tarde senhora, eu sou o Leo do instituto IBGE e preciso conferir quantas pessoas moram nessa casa.
- Sou só eu e minha netinha de 3 anos senhor, ela está na escolinha agora e não tem mais ninguém aqui.

  Leo começou a anotar algumas equações matemáticas em seu caderno quando ouviu um barulho de algo caindo lá dentro da casa.

- Senhora, quem mais está aqui?
- Ninguém meu bom moço, deve ter sido o gato.
- Quem mais está aqui? Me fale agora!
- Eu já disse, não tem mais ninguém, foi o gato ou o cachorro.
- OLHA AQUI SUA PUTA, JÁ ESTOU PERDENDO MINHA PACIÊNCIA, ME FALA QUEM CARALHOS ESTÁ LÁ DENTRO ANTES QUE EU SEJA OBRIGADO A ENTRAR E VER POR MIM MESMO!
- Eu juro – A senhora, que deveria ter uns 80 e poucos anos, deixou uma lágrima escorrer de seu olho direito, isso foi o suficiente para o Leo arriar as calças e retirar sua 12 lá de dentro.
- VAMOS VER ENTÃO, SAIA DA MINHA FRENTE SUA VAGABUNDA COMUNISTA DE MERDA.

  Leo entrou, tentou abrir a porta da frente com um chute violento, mas como ela abria para fora isso não fez efeito algum, então ele franziu as sobrancelhas e puxou o trinco com a mão. Ao entrar tudo estava silencioso, mas seus anos de experiência lhe diziam que tinha algo errado ali. Foi abrindo todas as portas que encontrava, banheiro, armários, gavetas, fogão, microondas – ele já encontrara uma criança dentro de um a alguns anos atrás, as pessoas fazem de tudo para saírem do radar – casinha de cachorro, quartos, até que, atrás de um armário ele avistou uma pequena fresta, um pequeno raio de luz estava saindo dali e ele logo se esforçou para empurrar o armário para ver o que estava la.

  CONTINUA…

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  Aqui ó o/

  O que ele viu fez gelar sua espinha e uma mistura de desespero com terror invadiu seu corpo. Dentro de uma salinha minúscula estava uma forma humana em estado de decomposição amarrada a 5 correntes grossas e fortes, seu rosto já não possuía mais cor e a metade esquerda não tinha nem pele, apenas alguns ossos e uma órbita vazia onde anteriormente ficava um olho. Em sua boca coberta de sangue jazia a metade traseira de um gato esquartejado e quando ele percebeu a presença de Leo, deu um grunhido meio abafado e se jogou na direção do intruso.

  O desespero de Leo foi passando aos poucos, graças a Deus o monstro no armário estava muito bem amarrado e dificilmente conseguiria sair. A senhora apareceu atrás dele caindo em prantos e se ajoelhou agarrando na cintura de Leo.

- Por favor meu bom moço, não faça mal ao meu filho. Ele era um jovem tão bom até que um louco invadiu nossa casa e o mordeu. Desde então ele está assim, não me reconhece, não fala, mas eu sei que ele me ama ainda, eu vejo em seu olho a compaixão que sobrou, por favor, não o mate, ele só come gatos e cachorros, por favor, por favor.

- Senhora, as leis do Estado do Paraná são bem rígidas quanto a isso, o parágrafo 66 da sessão 6 diz que é expressamente proibido abrigar ou alimentar – com exceção de que seja com seu próprio corpo – qualquer espécie de mortos-vivos, em uma residência particular ou pública. E além disso a senhora acaba de fuder uma vida de trabalho minha. Como eu devo catalogá-lo? Meu caderno tem a opção para número de seres humanos vivos, recém-nascidos e óbitos recentes, não tem A PORRA DE UMA SESSÃO PARA ZUMBIS, E AGORA SUA PUTA? O QUE EU FAÇO COM VOCÊS?

- Por favor, tenha piedade, não nos machuque – A velha agora estava engasgando no próprio choro.

- A senhora possui um Deus?

- Sim, Jesus Cristo meu senhor o unico dos unicos me proteja, mande uma luz para esse homem e faça com que ele tenha misericórdia de nos. Por favor senhor, eu lhe imploro, me perdoe.

- Sabe, possuímos Deuses diferentes. Meu Deus é minha bala, e ele gosta de perdoar pessoalmente.

  Dizendo isso Leo atirou, um tiro ensurdecedor e ríspido que fez seu ombro direito dar um tranco para trás. A bala atingiu o crânio da senhora arrancando instantaneamente a tampa de sua cabeça. Segundos depois ela caiu no chão, com um baque surdo.

  Leo foi para o fogão e acendeu uma boca. Começou a queimar tranquilamente seu caderno universitário. Sua profissão já não fazia mais sentido com aquele ser entre eles, 50 anos de trabalho agora estavam em chamar na sua frente. Ele esperou até que a ultima folha fosse queimada e retirou de uma gaveta um facão. Testou em seu dedo para ver se estava bem afiado e então encostou sua 12 de pé apoiada na mesa da cozinha. Suspirou alto e recitou suas ultimas palavras: Me perdoe Brasil.

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