A desumanização da unanimidade

Postado por Luan Henrique | | Posted On quarta-feira, 7 de novembro de 2012 at 19:52

  Em um futuro muito próximo, cientistas conseguiram finalmente converter áreas do cérebro humano que eram afetadas por alguns sintomas sentimentalistas obscuros – tais como solidão, depressão, ódio, etc – em algo mais pra cima, algo, como eu posso dizer, algo muito perto da felicidade instantânea e real. Eles colocaram essa fórmula em pequeninos frascos do tamanho de uma unha, e com toda a originalidade para nomes que só os cientistas conseguem ter, a chamaram de “Pílula da felicidade”. Isso causou um enorme alvoroço no mundo, afinal, o que todo mundo mais quer é ser feliz, e como o processo de fabricação dessa pílula era algo extremamente caro e a proposta inicial era de entregar gratuitamente para a população (graças a ativistas chatos sem emprego, que após a liberação da maconha ficaram sem nada para encherem o saco dos outros), eles resolveram que para adquirir essa droga antes eles deveriam passar por um acompanhamento psicológico, para provar que eram pessoas infelizes. Porque, convenhamos, antes disso todas as pessoas que iam a psicólogos eram as mais felizes do mundo.

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- Bem, Ernesto, certo? Vamos começar nossa sessão com uma simples pergunta: “O senhor acha que se enquadra nos requisitos para adquirir essa pílula”?
- Sim doutor, afinal, eu estou aqui não estou?
- Bem lembrado. Então vamos lá, me conte toda essa sua infelicidade com o mundo e sua vontade enorme de se suicidar, você tem uma hora pra me convencer a assinar essa receita.
- Obrigado doutor, mas na verdade eu nunca pretendi me matar, eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na cidade onde eu
- Favela
- O que?
- Favela, essa é a letra certa da música
- Mas que porra doutor, eu não to tentando cantar música nenhuma pra você
- Ah, ok então, me desculpe. Continua
- Então, meu pai meio que me abandonou na adolescência, e como o senhor sabe muito bem, os pais são os principais culpados de todo o sofrimento e angústia futura de seus filhos, estou correto?
- Sim, sim, esse por sinal é o título de todo primeiro capítulo de livros de psicologia que se preze.
- Continuando, desde então eu me sinto vagando sem rumo pelo mundo, na adolescência ainda eu me envolvia com todo tipo de coisa errada que me era apresentada, eu sempre tentei forjar alguma identidade própria já que eu não fazia ideia de qual era a minha. Eu era facilmente influenciável e isso me levou ao alcoolismo. Nessa época eu quase achei que era feliz, comecei a me socializar com pessoas, fazer sexo com qualquer uma que aparecesse (mesmo sendo velha, obesa e com Parkinson, o que até ajudava a fazer o trabalho) e fiz amizades com muita gente, mas tudo sobre o efeito do álcool.

- Mas então veio a minha fase adulta, e com ela o sentimento de que eu não tinha realizado nada e que já estava na hora de virar homem.
- Só uma perguntinha, se isso que você está falando é a continuação do que você disse antes, porque você pulou uma linha?
- Doutor, você tem que ser tão babaca mesmo? Deixa eu narrar a minha história do meu jeito, se eu quiser pular uma linha no meio de um diálogo, eu farei isso.
- Desculpa, continue por favor.

- Eu percebi que o que eu tinha era uma falsa felicidade, que o álcool apenas disfarçava a minha dor por algum tempo e ela ia se acumulando, e quando eu ficava cheio dessa dor ela se transformava em raiva, que eu acabava liberando para todos os lados e machucando quem se importava comigo.
- Entendi, mas e agora? O que você acha que é a felicidade?
- Tudo o que eu quero é poder dormir tranquilo de noite, sem ter os meus famosos espasmos seguidos de um calor intenso no meu corpo sempre que minha mente se distrai e eu acabo pensando em quem eu sou. Eu tenho isso toda noite, quando estou prestes a cair no sono me lembro, digamos, de como eu magoei a minha família, e sei que vou continuar fazendo isso porque a minha infelicidade afeta minhas ações, e então eu não consigo mais dormir imaginando como eu vou desfazer isso.

- Mas sinceramente, a felicidade é nós que fazemos, se você quiser mudar e ser alguém melhor você vai conseguir, você só tem que aceitar quem você é e fazer algo da sua vida. Vejo o exemplo do gordo escroto, ele escreveu no facebook dele a seguinte mensagem: “Muitos podem me julgar por ter 42 anos, morar na casa da minha mãe, trabalhar com videogame, não ter uma namorada e ser ligeiramente acima do peso. Mas o que realmente importa pra mim é que eu consigo dormir toda noite com um sorriso no rosto, sabendo quem eu sou e ser feliz assim mesmo, porque eu realizei a maior proeza que existe, que é viver”. E ele não precisou de pílula nenhuma para isso, ele só precisou se aceitar.
- Bom pra ele doutor, mas as pessoas são diferentes uma das outras, eu não quero ter que me aceitar, eu preciso dessa pílula, só ela me dará o que eu quero, por favor, assine essa receita. E por sinal, o senhor percebeu que agora quem pulou uma linha foi você?

- Não, eu não pulei linha alguma. Você ainda não percebeu que eu não existo? É você que está conversando sozinho procurando um jeito de ser feliz? Não existe pílula alguma no mundo, ninguém e nada pode te ajudar além de você mesmo. Todos tem problemas, alguns mais, outros menos, mas são todos problemas, obstáculos colocados em nossos caminhos, não para encalharmos nesses e desistir, e sim para superarmos e seguir para o próximo, sem isso a vida seria chata e previsível, viva, apenas viva e aproveite as surpresas que essa ação te trará…

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